Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas. (2 Timóteo 4.3,4) - Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina. (Tito 2.1)
1 Tessalonicenses 5:21

terça-feira, 27 de maio de 2008

Profecia e Sociedade

Na busca das causas de eventos que atingem a existência humana, a mitologia grega criou o mito do "Tear das Moiras". Trata-se de deusas que entrelaçam os fios que representam as vidas humanas, formando uma espécie de "tecido social" pré-determinado. Logo, na sociedade não há lugar para acontecimentos fortuitos ou casuais; tudo está determinado pelo "destino" ou "fado". Nesse contexto, o termo "profecia" se assemelha mais a "pré-fecia" (pré-fatizar), ou seja, o anúncio de um fato ou evento cuja concretização futura independe de nossa participação. Assim, a "pré-fecia" não admite liberdade e sim a necessidade (o que não pode deixar de ser). Em termos populares, "pau que nasce torto, morre torto!".

No âmbito da tradição judaico-cristã, há uma relação central entre a profecia e a sociedadeProfecia e Sociedade, conforme o livro bíblico dos Provérbios: "Sem profecia (diretrizes ou instrução) a nação se arruma (Pv. 11.14)". A importância social da profecia reside na experiência da realidade de Deus revivida pêlos profetas. O resultado era uma vocação para viver um novo estilo de vida que servia de orientação para o povo. Nesse sentido, até Abraão é chamado de profeta (Gn. 20.7). Trata-se de um uso geral do termo, referindo-se ao ser humano que está aprendendo sobre a realidade divina ao experimentar a vontade soberana que transtorna e transforma a existência humana. Como exemplo, seja o livro de Isaías: "Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Is. 6.5)". Assim, a atitude profética começa com uma experiência pessoal com a realidade divina que leva o profeta a reconhecer que toda existência autônoma, em relação a Deus, está sujeita ao juízo divino. Em seguida, o profeta volta-se para a sociedade ou povo: "Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: 'Quem enviarei? Quem irá por nós?'. E eu respondi: eis-me aqui. Envia-me! (6.8)". O profeta, depois de tomar consciência de seu estado de miséria e da sociedade em que vive, passa a ser um elemento transformador da mesma, refletindo a própria transformação sofrida. Nota-se também que a grandeza divina não sujeita o ser humano, privando-o de sua vontade, mas coloca-o em estado de decisão. Nesse caso, o falar e o agir profético começam quando o profeta diz "sim" expressando sua fé, como confiança incondicional em Deus, seu amor, como entrega pessoal, sua obediência, como disponibilidade em relação à vontade divina. Essa vontade é soberana, de tal modo que nem os "Exércitos", considerados na cultura babilônica como os astros, são capazes de determinar a vida dos seres humanos. É na relação com o Criador que o futuro do ser humano e da sociedade é construído. No caso do texto de Provérbios, o termo hebraico da-bar, que significa "anúncio" ou "realidade", é o anúncio da boa palavra, que imprime esperança na vida de quem a recebe. Tal anúncio está integrado ao compromisso de fazer com que a realidade social seja "boa".

No caso do Cristianismo, como movimento dos seguidores de Jesus de Nazaré, o Cristo (Messias), o engajamento profético é a sua principal característica. Afinal, diz uma música da MPB: "dizem que pau que nasce torto morre torto; eu não sou pau; posso me regenerar!".
Marlesson do Rêgo é mestre
em ciências da religião.